terça-feira, 15 de março de 2016

day after day




por alguns dias os dias eram cinzentos. tristes. não digo que chorei lágrimas de esguicho, nem lágrimas de fazer transbordar, de inundar bairros, mas andei um tanto perdido, sem saber sobre rumos. os caminhos eram escuros.

os dias pareciam hostis e eu me sentia amargurado. a desmesura de paixão começava dar lugar à uma desmesura de tristeza e amargura. eram os dias ruins. em dias assim a solidão adere a características ainda mais cruéis e implacáveis.

trancado no quarto, vez ou outra incomodado pelo som abafado dos carros que rompiam o silêncio, eu tentava entender onde e como as coisas desaconteceram. olhava no espelho e não me reconhecia, o que via era uma imagem arrasadora e a barba começava a crescer em proporções mulçumanas. desolador.

era, sobretudo, visível o declinio da minha concentração. os amigos sequer podiam me olhar com uma ternura piedosa, pois eu me prendi em casa e fiquei praticamente vazio de relações pessoais. quando me deparava com alguém esboçava sorrisos, mas o olhar geralmente denunciava a tristeza. o abatimento era visível.

com o passar dos dias comecei a cobrar de mim uma postura de respeitar, cuidar mais de mim, pensar mais em mim. ora! a vida, que traz dores, não se furta em nos dar as curas. cabe a nós entender qual a melhor saída pra uma vida mais amena e não se internar na solidão.

conversas e reencontros com alguns amigos tornaram os dias menos cruéis, menos chatos e aos poucos fui me deparando com emoções novas. e foi quando comecei a entender a idéia de que algo ou alguém pode sim ser uma razão pra uma felicidade, mas não condição necessária, sob pena de depois vivermos em cruel tristeza. foram dias ruins, mas hoje os vejo, também, como grandiosos. aprendi bastante. aprendi um tanto de serenidade com esses dias ruins e prenhes de tristezas.

essas sensações ruins ainda podem ser sentidas, mas em bem menos freqüência. não adiro à euforia de dizer que esqueci, pois se sabe que a memória da gente é um tanto sem rumo e geralmente nos leva alguns lugares sem que queiramos. pode vez ou outra acontecer assim. acontecerá, sim, eu suponho. mas eu devo estar ao menos melhor preparado, seguro de que não haverão de se repetir as tristezas trazidas pela saudade como antes.

quanto a você, espero que esteja bem.

p.s.: “você pediu e eu já vou daqui, nem espero pra dizer adeus (…) e deixo todo o meu amor aqui e jamais eu direi que me arrependi pelo amor que eu deixar.” (antonio marcos)

terça-feira, 8 de março de 2016

A Última Carta







As horas, por esses dias, adotaram uma lentidão de milênios e os minutos pareciam bater de século em seculo. Busquei encontrar erros meus, busquei justificativas, tentei saber onde fui incompetente. Lamentei minha paciência, depois lamentei impulsos, depois a falta de meio termo. Não sei ser meio termo. Ou paciência ou impulso, ou pés no chao ou cabeça nas estrelas. Minha cabeça era um avião.

Tome nota: Às vezes ultrapassamos a medida das nossas possibilidades e nem isso basta.

A memória, por esses dias, fez você ocupar o lugar do cérebro. E você estava em tudo, em todas as coisas. Saudade doía na proporção em que antes fazia sorrir. Antes havia o riso porque era uma saudade recompensada com encontros. Começou doer porque tudo virou desencontro. Da Costa e Silva bem alertou quando disse: "saudade: asa de dor do pensamento".

A tristeza, por esses dias, me fez esquecer de mim. E tudo o que eu tentava era entender onde foi exatamente que a gente desaconteceu. Tudo parecia uma ambientação de 'why does rain on me', de Travis.

A solidão, por esses dias, me fez ter raiva até do amor. Pra tentar tirar você das minhas idéias eu larguei mão das canções que você indicou pra mim. Não foi completamente útil porque, convenhamos, a memória da gente é bem sem vergonha e vez ou outra lembramos do que não queremos. Ah, a solidão, essa faca de cortar corações! Máquina de provocar prantos. E o desamor? Ah, o desamor, uma das mais cruéis das peripécias humanas!

A vontade de me distrair, por esses dias, me fez mergulhar em leituras. "Espelho", conto do Machado de Assis, foi de uma utilidade psicoterapêutica. Me fez entender que algo ou alguém pode sim ser razão pra uma felicidade, mas jamais condição necessária para tal.

A racionalidade, por esses dias, me faz acreditar em coisas como "vida que segue", "não se interne na solidão". Que seguiremos cada um de nós os nossos rumos, que encontraremos outras pessoas com quem poderemos realizar sonhos. Eu encontrarei. Você encontrará. Mas tome nota: duvido que outro alguém tenha tanto amor e até os acertos do meu português tão bom.

Acredito, por esses dias, que você não foi sem me deixar coisas boas, sem me deixar aprendizados. Alguns levarei em consideração, outros prometerei, mas sei que não seguirei à risca. Por exemplo: não tirar muito os pés do chão, ser menos intenso. Entender a idéia de que criar expectativas no amor pode ser algo como ensaiar pra peça errada. Eu poderia prometer e seguir isso, mas eu me conheço e já disse que não sei ser meio termo. Tenho essa mania de querer até mesmo ultrapassar a medida das minhas possibilidades.

Aprendi, por esses dias, que sofrer faz parte, o que não podemos é eternizar o sofrimento. Noutras palavras: o importante, sobretudo, é não se internar na solidão. Vida que segue.

P.S.: "Eu passei um tempo andando no escuro, procurando não achar as respostas, eu era a causa e a saída de tudo. Eu cavei como um túnel meu caminho de volta." (Leoni)