terça-feira, 26 de janeiro de 2016

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Segue com o seu andar cansado e pensando no porvir que se arrasta. Decepções guardadas em suas lembranças ressurgem e tomam espaço como rebeldes armados em meio à uma revolução. Lembra-se dos amores que julgava imortais, das idas sempre cheias de voltas e que um dia cansavam e aprendiam dizer adeus.

Segue ofegante e pensa no porvir que se arrasta. Solidão guardada em suas lembranças se apossa dele como sem-tetos em terrenos abandonados. Solidão que se apossa, ergue catedral, faz morada e se recusa a ir embora mesmo que se fale em uso da força e que permanece mais tranquilamente quando é simplesmente aceita.

Segue meio cambaleante, tonto de tanto calor e de pensar no porvir que se arrasta. Aflições se aproximam e se esbaldam sem cerimônia como um penetra. E as aflições fazem festa, fazem folia e dominam sempre que são aceitas com toda a naturalidade do mundo.

Segue com o seu andar cansado enquanto pensa no porvir que se arrasta. Lembra das confissões nas ruas, nas calçadas, tantas juras, tantas palavras, esboça um sorriso, mas logo pensa nos fantasmas com os quais ainda não sabe lidar e pensa que talvez não aprenda.

Muda de calçada pra cumprimentar um amigo, marca alguma coisa, marca pra muito breve, conversar urgentemente sobre a vida, emprego, sobre tudo. Se despedem, pensa no porvir que se arrasta chegar e percebe que acaba de providenciar mais um que se arrastará.

Segue a lentos passos, o silêncio o abraça enquanto pensa no porvir que se arrrasta. Um perfume familiar paira no ar e ele chega a mudar pra calçada de antes pra ver se esse cheiro para de lhe perseguir.

Segue estabanado e com o seu andar cansado enquanto pensa...

P.S.: "Sem pensar em nada ando pelas ruas fotografando qualquer casa pra mentir quem eu sou, enganar o que eu quis" [Londres - Harmada]

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Bonita V – Tão bem





I
Antes dela chegar havia um punhado de tristeza e uma vontade imensurável de se internar na solidão. 

Antes dela chegar ele era um especialista em romantismo teórico. Um aprendiz que não sabia bem o que era prática e que fazia confusão com os sentimentos.

Antes dela chegar ele pensava em maneiras de se manter inerte em algum canto da casa, fechar-se em um mundinho onde amigos e uma nova paixão inexistiriam por muito tempo.

Antes dela chegar ele andava pela casa, desesperadamente cantava “num labirinto” e jurava que se algum dia se entregasse a algum romance deixaria arrumada a mala, pra não ter muito trabalho na hora de se afastar. Agiria como o inquilino-andarilho que não fixa residência, não pinta a parede e que não fixa móveis nas paredes.

Antes dela chegar o que ele sabia sobre o amor estava em algumas crônicas e numa poesia do Gregório de Mattos, que ele aprendeu aos doze anos. Que dizia ser o amor um embaraço de pernas, um reboliço de ancas, um breve tremor de artérias. Coisas assim.

Antes dela chegar às vezes lhe faltava equilíbrio e seguia um caminho de se tornar um malcuidado maldizente do amor.

II
Até que um dia ela chegou e lhe fez sentir novamente sentimentos que se mantinham guardados em seu coração. Ainda dos tempos de imaturidade e medo de merecer. Já viu esse filme.

III
Quando ela chegou ele estava indeciso quanto aos rumos que deveria dar à sua vida porque estava 'num estado emocional tão ruim'.

Quando ela chegou ele pôs-se a sorrir porque ela sorria um riso bonito e estava de braços abertos. Sua risada mais parecia um som de júbilo.

Quando ela chegou lhe fez algumas exigências que lhe eram novidades e então ele se debruçou sobre o que sabia a respeito do amor. Acatou.

Quando ela chegou foi logo dominando – novamente – seu coração e ele buscou entender o que era aquilo que sentia. Então pensou nas juras de manter pés no chão. Descumpriu.

IV
Depois que ela chegou ele notou que a vida ficou mais suave e então começou a repensar o que sabia sobre o amor. Gregório de Mattos então lhe pareceu grosseria diante do que sente.

Depois que ela chegou ele foi se dando conta de que o amor é um tanto diferente do que havia aprendido. O amor não é finalmente embaraço de pernas, reboliço de ancas, tremor de artérias. Não.

Depois que ela chegou ele compreendeu que o que melhor se pode dizer sobre é “o amor é paciente”. Paciência no amar é essencial para aqueles que querem ir além em um romance. O amor espera abraços atrasados, bem disse Gabito Nunes.

Depois que ela chegou ele passou a lidar com atenção, apoio, reencontrou equilíbrio e não pensava mais em internar-se na solidão.

Depois que ela chegou ele entendeu que a paciência do amar faz compreender que a vida não é apenas saber lidar com abraços, carinhos, beijos, mãos dadas, risos, risos. Não. Mas vez ou outra um pouco de chatice, cara amarrada, stress e demora nas respostas. Prudência no ânimo.

Depois que ela chegou ele esqueceu os porquês e se entregou ao sentir e viver. Então ousa dizer que atingiu um patamar em que finalmente passou a amar na prática.

P.S.: “Te encontrar num dia azul, pegar na tua mão. Bom te ver e enxergar uma nova direção”. (Volver)

domingo, 3 de janeiro de 2016

Pedro e Érica




É estranho que nos encontremos agora depois de tanto tempo. Cinco anos, não é? Suponho que seja. Soma-se a isso alguns meses. Dois ou três. A gente se fez distância ou foi a vida em seu ciclo natural?

Tudo acabou no instante em que eu não sonhava mais por nós e imagino que você também não fazia o mesmo. Em meio a tantas festas e brigas, o amor se definhou e a solidão – ainda que estivéssemos juntos ou até mesmo em multidão – se fazia presente. Naquele dia mais parecíamos viver uma ambientação de “Risque”, da Silvinha Araújo. Que deprimente! Mantemos nosso passado.

Saiba que aprendi bastante ao longo de todo esse tempo. Dos erros fiz aprendizado e daquele sofrer abissal fiz sorriso largo. Estou bem. Tenho levado boa vida. Novos amigos, novos lugares, novo lar, novos planos. Mas dessa vez os planos têm sido mais viáveis e sem afobações. Já disse, dos erros fiz aprendizado.

Nesse meio tempo, por inúmeras razões, eu tive alguns tropeços e em certas ocasiões pra onde quer que eu fosse eu dava com a cara na parede. Foram sofreres gigantescos, tristezas abissais, incontáveis dúvidas e medos. O medo tornou-se amigo, a minha companhia. Se em alguns dias de agonia pela vida que se desenhava eu me pusesse em pranto, suspeito que ocorreria novo dilúvio. 

Dessa vez, diferente de outras ocasiões, sem doses ordinárias de uísque ou qualquer coisa com álcool. Mas muitos filmes, livros e músicas.

Reduzída a angústia, decidi me respeitar, procurar um rumo, dar um melhor emprego à minha inteligência. Foi quando passei a repetir de mim pra mim “cuidado com a vida, rapaz, busca um rumo, não se deixe engolir pela angústia e nem se interne na solidão”. Fui salvo por um novo amor e dias de muita meditação. Nunca mais recitei “três da madrugada”. Nunca mais disse “meu pobre coração não vale nada”.

Escrevi um livro, coisa que tantas vezes prometi fazer. Tenho lidado com uma árvore – pé de jabuticaba – no quintal da minha casa. Mas ainda não tenho filho, ainda não nasceu. Tenho contado as semanas.
Aliás, muito se diz que os casais que estudam muito e são bem sucedidos não têm filhos porque são mais esclarecidos, portanto aderem ao planejamento familiar, mas nem sempre é isso, alguns não os têm porque falta tempo. Vivem para o trabalho e estudo.

Bom, o livro segue a ideia de um narrador observador que sabe pouco sobre os personagens e pede ajuda de um amigo. Ele, aliás, se sente constrangido por invadir a privacidade e especular sobre a vida alheia, mas faz isso pelo bem da literatura. Ele acredita que o narrador observador deveria sempre pedir licença antes de começar um novo capítulo. Não licença poética, que fique claro.

Conforme tantas vezes prometi, parei de viver em função dos outros. Hoje sou meu próprio caminho. Não que esteja despreocupado do mundo, das pessoas, nada disso. Eu apenas estou mais apegado aos meus problemas e soluções e não tento mais carregar o mundo nas costas, pois aprendi que isso não é possível.

Citação: “Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor./ Nele não cabem nem as minhas dores.” (Carlos Drummond de Andrade).

Minha fé, outrora decorativa, tornou-se extremamente importante e funcional. Deus tem sido  muito legal. Tenho tido mais certezas e mais seguranças. Tenho sido mais firme e acreditado mais  nas esperanças. Tenho crido mais nas minhas capacidades intelectuais e tenho uma casa no campo, mas não sei compor rocks rurais. E tenho evitado, na medida das minhas possibilidades, qualquer ansiedade desproporcionada. 

Vez ou outra erro. Ora por imperfeição, ora por vaidade. Errar é humano, afinal. E, convenhamos, nem sempre é fácil acertar, mas sempre peço perdão pelos vacilos e tento corrigir os erros ou amenizá-los.

Bom, era suas irmãs que você esperava? Elas chegaram. Foi bom te ver. Uma coisa não mudei: ainda falo pra caramba. Até mais ver.