sábado, 26 de novembro de 2016

Assim, de repente





Na primeira vez que eu te vi, você usava um vestido estranho e uma coisa enrolada na cabeça que impedia de ver seus cabelos. Achei isso meio estranho porque achamos esquisito aquilo que não espelho, aquilo que não reflete o que nós consideramos habitual. Você cantarolava 'Love is Love' e achava estranho tudo aquilo que não era para o bem comum.

Na segunda vez que eu te vi, sabia que conhecia você de algum lugar, mas não lembrava de onde. Cumprimentei. Você interrompeu a canção que cantarolava, sorriu e disse 'você não me é estranho'. Eu estava perdido porque eu me perco em qualquer lugar que não seja meu bairro. Você me ensinou o caminho.

Na terceira vez que eu te vi, você estava retocando maquiagem na parada de ônibus. Cumprimentei. Você cantarolava "A mim e a mais ninguém". Conversamos pouco tempo e logo descobrimos uma série de amigos em comum. Todo mundo se conhece nessa cidade! Marcamos umas cervejas.

Na outra vez que eu te vi, eu não estava muito bem, estava com a cabeça pelas tabelas, mas fui pra não desmarcar. Eu te esperei na porta do shopping porque você quis ir naquele onde quase todo mundo se perde. Eu só me encontro no meu bairro. Você balbuciou um trecho de Felicidade, do Marcelo Jeneci. Você disse que eu não parecia bem. Conversamos amenidades, alguns planos, coisas mirabolantes. Falamos dos corações combalidos, da solidão, das preocupações com a juventude, dos desamparos, da falta de tempo para as nossas turmas e das gentes boas que temos perdido por displicências, imprudências, impaciências, irresponsabilidades e por atenção pouca.

Todas as vezes que nos vemos ¬ muitas vezes ¬ você busca sempre me fazer entender que a humanidade não é irrecuperável. Replico que os dias têm sido pesados. Você pondera. O importante é que encontrem em nós mais legados que escombros.

Quando digo que às vezes me perco, você então diz pra eu fazer os meus caminhos e ser meu próprio caminho.

Ontem quando nos vimos, em uma noite de iluminação pouca, depois de você muito lamentar as gentes boas que temos perdido, fizemos um longo silêncio. Eu, entre a lamentação e a consolação, pensei verdades chinesas, mas desisti. Apenas ouvi lamentos e aderi ao silêncio. Desde então o poema Felicidade, do Paulo Hecker Filho, ocupa o lugar do meu cérebro.

P.S.: "Meu bem, mas quando a vida nos violentar, pediremos ao bom Deus que nos ajude. Falaremos para a vida 'vida, pisa devagar. Meu coração ¬ cuidado! ¬ é frágil'¬" (Belchior)

domingo, 4 de setembro de 2016

Passo a Passo




Passos largos e apressados pro encontro. Um passo de cada vez. Muros desabam, põe fé na dúvida, põe coragem na timidez. É tempo de ver no que dá.

Admiração das virtudes, mostras de defeitos, afirmação de qualidades. Às vezes caras fechadas. O tempo, que traz dores, não se recusa a trazer a cura.

Tome nota: “Meus olhos famintos não se cansam de te acariciar, procuram sempre um novo ângulo só pra te admirar” - Paulinho Moska.

Risos, risos pra festejar. Felicidade por segundo. E o que se quer – pede – é que se saiba lidar com as guerras e barras que aparecem. Uma luta de cada vez. Que não seja um ensaio pra peça errada. Acredita que não. Que sejam pacientes pras birras.

Ímãs de tanto que se atraem. As horas, na distância, batem de século em século. Se juntos, as horas batem de minuto em minuto. Como se faz pra passar mais devagar o tempo e majorar momentos juntos? Pergunta de si pra si. Ódio eterno ao despertador.

Conversas e conversas. Como se Eduardo e Mônica, conversam muito mesmo pra tentarem se conhecer. Túneis iluminados, agora pode ver onde anda. A cena é de cinema.

Intimidades que parecem décadas de conversas. Roda o mundo inteiro e encontra quem esteve sempre perto. Sarcasmos do acaso.

A lentos passos caminham enquanto juntos pra ver se majoram o tempo. Um passo de cada vez. Nunca o álbum Long Play – Lulu Santos – fez tanto sentido. Nunca Surreal e Contatos – do referido álbum – foram tão suas canções preferidas. Imagina o que no futuro dirão dos dois seja pra onde forem. É de se admirar que em pouco tempo sua vida tenha agora se tornado uma ambientação de Saber Chegar – Fernanda Abreu. Já nem se lembra mais dos primeiros versos de Travessia – Milton Nascimento.

P.S.: “Tá tudo aí pra nós. Agora é só deixar rolar (…) Chega perto e fica do meu lado, que eu vou apagar a luz. E tudo vai clarear, mostrar que vale a pena. Que é só saber chegar.” (Fernanda Abreu).

terça-feira, 19 de julho de 2016

Cecília



Meio dia. Um calor de rachar catedrais. Ela chega, senta num banquinho na Frei e põe-se a falar sobre silêncio e culpa e uma vontade oceânica de voltar pra casa e dormir. Às vezes fica meio perdida, olhando sem olhar. Noutros momentos cita trechos de canções, cantarola algumas, reclama da economia e dos caras que xingaram Chico Buarque.

Ela insiste em falar, embora incomodada com a indiferença, pois gostaria de ouvir pelo menos um “entendo”. Mas não ouve, nenhuma letra lhe é dirigida, como se o que dissesse não fizesse qualquer sentido.

Ainda assim continua falando. Reclama do ex-namorado, fala que o encontrou recentemente e tudo pareceu uma ambientação de “the winners take all”, porque ele foi apenas lhe cumprimentar e ela quis chorar lágrimas de esguicho, mas preferiu não contar sobre sua triste vida. Estava tensa. Fala que está morrendo de fome.

Segue o desabafo. Seu chefe não valoriza seu trabalho, o professor não reconhece seu esforço e ela pensa em largar o mestrado. Reclama do cansaço.

Do outro lado da avenida as pessoas olham pra ela, que se pergunta se não seria melhor contar suas histórias pra elas, pois a pessoa ao lado não dá atenção. Ela, na verdade, mal olhou pra quem estava no banquinho, apenas se danou a falar. Reclama de dor de cabeça.

Seu assunto passa a ser o prefeito. Xinga. Vai aumentar o preço da passagem, fosse pelo menos um ônibus que prestasse, mas uns troços que fazem um barulho horrível, parece um barulho de metrô. Sem contar que ele mandou fechar quase todos os retornos da cidade. Espera que façam manifestações, mas torce para que não façam pichações na estátua do vigia de metrô, o Petrônio Portela.

Ela já não suporta a indiferença, se sente mais ignorada que alface no prato do Ed Mota, que velho em um asilo, que um pedinte no bar Ponto Chico, então opta por uma piada.

Era uma vez cem anões em um deserto. Eles encontraram uma lâmpada, eis que aparece um gênio. Ele diz: cada um tem direito a um pedido. O primeiro diz 'eu quero ter um metro e noventa'. O segundo pede o mesmo, o terceiro, o quarto, o nonagésimo nono. Aí chega a vez do último e ele fala 'que todos voltem a ser anões'.” Ela dá uma gostosa risada, mas do seu lado nenhum sorriso esboçado. Estranho, é meio triste, mas todos riem dessa estória.

Eis que ela olha pro lado e toma um susto. Não percebeu – solidão versus distração – mas durante 56 minutos conversou com um dos bonequinhos do presépio que os funcionários da prefeitura esqueceram naquele banquinho no canteiro da Frei.

Ela olha pros lados, tenta disfarçar e fala de si pra si “a solidão me consumiu”.


P.S.: “Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para.” (Lenine)

terça-feira, 15 de março de 2016

day after day




por alguns dias os dias eram cinzentos. tristes. não digo que chorei lágrimas de esguicho, nem lágrimas de fazer transbordar, de inundar bairros, mas andei um tanto perdido, sem saber sobre rumos. os caminhos eram escuros.

os dias pareciam hostis e eu me sentia amargurado. a desmesura de paixão começava dar lugar à uma desmesura de tristeza e amargura. eram os dias ruins. em dias assim a solidão adere a características ainda mais cruéis e implacáveis.

trancado no quarto, vez ou outra incomodado pelo som abafado dos carros que rompiam o silêncio, eu tentava entender onde e como as coisas desaconteceram. olhava no espelho e não me reconhecia, o que via era uma imagem arrasadora e a barba começava a crescer em proporções mulçumanas. desolador.

era, sobretudo, visível o declinio da minha concentração. os amigos sequer podiam me olhar com uma ternura piedosa, pois eu me prendi em casa e fiquei praticamente vazio de relações pessoais. quando me deparava com alguém esboçava sorrisos, mas o olhar geralmente denunciava a tristeza. o abatimento era visível.

com o passar dos dias comecei a cobrar de mim uma postura de respeitar, cuidar mais de mim, pensar mais em mim. ora! a vida, que traz dores, não se furta em nos dar as curas. cabe a nós entender qual a melhor saída pra uma vida mais amena e não se internar na solidão.

conversas e reencontros com alguns amigos tornaram os dias menos cruéis, menos chatos e aos poucos fui me deparando com emoções novas. e foi quando comecei a entender a idéia de que algo ou alguém pode sim ser uma razão pra uma felicidade, mas não condição necessária, sob pena de depois vivermos em cruel tristeza. foram dias ruins, mas hoje os vejo, também, como grandiosos. aprendi bastante. aprendi um tanto de serenidade com esses dias ruins e prenhes de tristezas.

essas sensações ruins ainda podem ser sentidas, mas em bem menos freqüência. não adiro à euforia de dizer que esqueci, pois se sabe que a memória da gente é um tanto sem rumo e geralmente nos leva alguns lugares sem que queiramos. pode vez ou outra acontecer assim. acontecerá, sim, eu suponho. mas eu devo estar ao menos melhor preparado, seguro de que não haverão de se repetir as tristezas trazidas pela saudade como antes.

quanto a você, espero que esteja bem.

p.s.: “você pediu e eu já vou daqui, nem espero pra dizer adeus (…) e deixo todo o meu amor aqui e jamais eu direi que me arrependi pelo amor que eu deixar.” (antonio marcos)

terça-feira, 8 de março de 2016

A Última Carta







As horas, por esses dias, adotaram uma lentidão de milênios e os minutos pareciam bater de século em seculo. Busquei encontrar erros meus, busquei justificativas, tentei saber onde fui incompetente. Lamentei minha paciência, depois lamentei impulsos, depois a falta de meio termo. Não sei ser meio termo. Ou paciência ou impulso, ou pés no chao ou cabeça nas estrelas. Minha cabeça era um avião.

Tome nota: Às vezes ultrapassamos a medida das nossas possibilidades e nem isso basta.

A memória, por esses dias, fez você ocupar o lugar do cérebro. E você estava em tudo, em todas as coisas. Saudade doía na proporção em que antes fazia sorrir. Antes havia o riso porque era uma saudade recompensada com encontros. Começou doer porque tudo virou desencontro. Da Costa e Silva bem alertou quando disse: "saudade: asa de dor do pensamento".

A tristeza, por esses dias, me fez esquecer de mim. E tudo o que eu tentava era entender onde foi exatamente que a gente desaconteceu. Tudo parecia uma ambientação de 'why does rain on me', de Travis.

A solidão, por esses dias, me fez ter raiva até do amor. Pra tentar tirar você das minhas idéias eu larguei mão das canções que você indicou pra mim. Não foi completamente útil porque, convenhamos, a memória da gente é bem sem vergonha e vez ou outra lembramos do que não queremos. Ah, a solidão, essa faca de cortar corações! Máquina de provocar prantos. E o desamor? Ah, o desamor, uma das mais cruéis das peripécias humanas!

A vontade de me distrair, por esses dias, me fez mergulhar em leituras. "Espelho", conto do Machado de Assis, foi de uma utilidade psicoterapêutica. Me fez entender que algo ou alguém pode sim ser razão pra uma felicidade, mas jamais condição necessária para tal.

A racionalidade, por esses dias, me faz acreditar em coisas como "vida que segue", "não se interne na solidão". Que seguiremos cada um de nós os nossos rumos, que encontraremos outras pessoas com quem poderemos realizar sonhos. Eu encontrarei. Você encontrará. Mas tome nota: duvido que outro alguém tenha tanto amor e até os acertos do meu português tão bom.

Acredito, por esses dias, que você não foi sem me deixar coisas boas, sem me deixar aprendizados. Alguns levarei em consideração, outros prometerei, mas sei que não seguirei à risca. Por exemplo: não tirar muito os pés do chão, ser menos intenso. Entender a idéia de que criar expectativas no amor pode ser algo como ensaiar pra peça errada. Eu poderia prometer e seguir isso, mas eu me conheço e já disse que não sei ser meio termo. Tenho essa mania de querer até mesmo ultrapassar a medida das minhas possibilidades.

Aprendi, por esses dias, que sofrer faz parte, o que não podemos é eternizar o sofrimento. Noutras palavras: o importante, sobretudo, é não se internar na solidão. Vida que segue.

P.S.: "Eu passei um tempo andando no escuro, procurando não achar as respostas, eu era a causa e a saída de tudo. Eu cavei como um túnel meu caminho de volta." (Leoni)

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Início fim





Segue com o seu andar cansado e pensando no porvir que se arrasta. Decepções guardadas em suas lembranças ressurgem e tomam espaço como rebeldes armados em meio à uma revolução. Lembra-se dos amores que julgava imortais, das idas sempre cheias de voltas e que um dia cansavam e aprendiam dizer adeus.

Segue ofegante e pensa no porvir que se arrasta. Solidão guardada em suas lembranças se apossa dele como sem-tetos em terrenos abandonados. Solidão que se apossa, ergue catedral, faz morada e se recusa a ir embora mesmo que se fale em uso da força e que permanece mais tranquilamente quando é simplesmente aceita.

Segue meio cambaleante, tonto de tanto calor e de pensar no porvir que se arrasta. Aflições se aproximam e se esbaldam sem cerimônia como um penetra. E as aflições fazem festa, fazem folia e dominam sempre que são aceitas com toda a naturalidade do mundo.

Segue com o seu andar cansado enquanto pensa no porvir que se arrasta. Lembra das confissões nas ruas, nas calçadas, tantas juras, tantas palavras, esboça um sorriso, mas logo pensa nos fantasmas com os quais ainda não sabe lidar e pensa que talvez não aprenda.

Muda de calçada pra cumprimentar um amigo, marca alguma coisa, marca pra muito breve, conversar urgentemente sobre a vida, emprego, sobre tudo. Se despedem, pensa no porvir que se arrasta chegar e percebe que acaba de providenciar mais um que se arrastará.

Segue a lentos passos, o silêncio o abraça enquanto pensa no porvir que se arrrasta. Um perfume familiar paira no ar e ele chega a mudar pra calçada de antes pra ver se esse cheiro para de lhe perseguir.

Segue estabanado e com o seu andar cansado enquanto pensa...

P.S.: "Sem pensar em nada ando pelas ruas fotografando qualquer casa pra mentir quem eu sou, enganar o que eu quis" [Londres - Harmada]

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Bonita V – Tão bem





I
Antes dela chegar havia um punhado de tristeza e uma vontade imensurável de se internar na solidão. 

Antes dela chegar ele era um especialista em romantismo teórico. Um aprendiz que não sabia bem o que era prática e que fazia confusão com os sentimentos.

Antes dela chegar ele pensava em maneiras de se manter inerte em algum canto da casa, fechar-se em um mundinho onde amigos e uma nova paixão inexistiriam por muito tempo.

Antes dela chegar ele andava pela casa, desesperadamente cantava “num labirinto” e jurava que se algum dia se entregasse a algum romance deixaria arrumada a mala, pra não ter muito trabalho na hora de se afastar. Agiria como o inquilino-andarilho que não fixa residência, não pinta a parede e que não fixa móveis nas paredes.

Antes dela chegar o que ele sabia sobre o amor estava em algumas crônicas e numa poesia do Gregório de Mattos, que ele aprendeu aos doze anos. Que dizia ser o amor um embaraço de pernas, um reboliço de ancas, um breve tremor de artérias. Coisas assim.

Antes dela chegar às vezes lhe faltava equilíbrio e seguia um caminho de se tornar um malcuidado maldizente do amor.

II
Até que um dia ela chegou e lhe fez sentir novamente sentimentos que se mantinham guardados em seu coração. Ainda dos tempos de imaturidade e medo de merecer. Já viu esse filme.

III
Quando ela chegou ele estava indeciso quanto aos rumos que deveria dar à sua vida porque estava 'num estado emocional tão ruim'.

Quando ela chegou ele pôs-se a sorrir porque ela sorria um riso bonito e estava de braços abertos. Sua risada mais parecia um som de júbilo.

Quando ela chegou lhe fez algumas exigências que lhe eram novidades e então ele se debruçou sobre o que sabia a respeito do amor. Acatou.

Quando ela chegou foi logo dominando – novamente – seu coração e ele buscou entender o que era aquilo que sentia. Então pensou nas juras de manter pés no chão. Descumpriu.

IV
Depois que ela chegou ele notou que a vida ficou mais suave e então começou a repensar o que sabia sobre o amor. Gregório de Mattos então lhe pareceu grosseria diante do que sente.

Depois que ela chegou ele foi se dando conta de que o amor é um tanto diferente do que havia aprendido. O amor não é finalmente embaraço de pernas, reboliço de ancas, tremor de artérias. Não.

Depois que ela chegou ele compreendeu que o que melhor se pode dizer sobre é “o amor é paciente”. Paciência no amar é essencial para aqueles que querem ir além em um romance. O amor espera abraços atrasados, bem disse Gabito Nunes.

Depois que ela chegou ele passou a lidar com atenção, apoio, reencontrou equilíbrio e não pensava mais em internar-se na solidão.

Depois que ela chegou ele entendeu que a paciência do amar faz compreender que a vida não é apenas saber lidar com abraços, carinhos, beijos, mãos dadas, risos, risos. Não. Mas vez ou outra um pouco de chatice, cara amarrada, stress e demora nas respostas. Prudência no ânimo.

Depois que ela chegou ele esqueceu os porquês e se entregou ao sentir e viver. Então ousa dizer que atingiu um patamar em que finalmente passou a amar na prática.

P.S.: “Te encontrar num dia azul, pegar na tua mão. Bom te ver e enxergar uma nova direção”. (Volver)

domingo, 3 de janeiro de 2016

Pedro e Érica




É estranho que nos encontremos agora depois de tanto tempo. Cinco anos, não é? Suponho que seja. Soma-se a isso alguns meses. Dois ou três. A gente se fez distância ou foi a vida em seu ciclo natural?

Tudo acabou no instante em que eu não sonhava mais por nós e imagino que você também não fazia o mesmo. Em meio a tantas festas e brigas, o amor se definhou e a solidão – ainda que estivéssemos juntos ou até mesmo em multidão – se fazia presente. Naquele dia mais parecíamos viver uma ambientação de “Risque”, da Silvinha Araújo. Que deprimente! Mantemos nosso passado.

Saiba que aprendi bastante ao longo de todo esse tempo. Dos erros fiz aprendizado e daquele sofrer abissal fiz sorriso largo. Estou bem. Tenho levado boa vida. Novos amigos, novos lugares, novo lar, novos planos. Mas dessa vez os planos têm sido mais viáveis e sem afobações. Já disse, dos erros fiz aprendizado.

Nesse meio tempo, por inúmeras razões, eu tive alguns tropeços e em certas ocasiões pra onde quer que eu fosse eu dava com a cara na parede. Foram sofreres gigantescos, tristezas abissais, incontáveis dúvidas e medos. O medo tornou-se amigo, a minha companhia. Se em alguns dias de agonia pela vida que se desenhava eu me pusesse em pranto, suspeito que ocorreria novo dilúvio. 

Dessa vez, diferente de outras ocasiões, sem doses ordinárias de uísque ou qualquer coisa com álcool. Mas muitos filmes, livros e músicas.

Reduzída a angústia, decidi me respeitar, procurar um rumo, dar um melhor emprego à minha inteligência. Foi quando passei a repetir de mim pra mim “cuidado com a vida, rapaz, busca um rumo, não se deixe engolir pela angústia e nem se interne na solidão”. Fui salvo por um novo amor e dias de muita meditação. Nunca mais recitei “três da madrugada”. Nunca mais disse “meu pobre coração não vale nada”.

Escrevi um livro, coisa que tantas vezes prometi fazer. Tenho lidado com uma árvore – pé de jabuticaba – no quintal da minha casa. Mas ainda não tenho filho, ainda não nasceu. Tenho contado as semanas.
Aliás, muito se diz que os casais que estudam muito e são bem sucedidos não têm filhos porque são mais esclarecidos, portanto aderem ao planejamento familiar, mas nem sempre é isso, alguns não os têm porque falta tempo. Vivem para o trabalho e estudo.

Bom, o livro segue a ideia de um narrador observador que sabe pouco sobre os personagens e pede ajuda de um amigo. Ele, aliás, se sente constrangido por invadir a privacidade e especular sobre a vida alheia, mas faz isso pelo bem da literatura. Ele acredita que o narrador observador deveria sempre pedir licença antes de começar um novo capítulo. Não licença poética, que fique claro.

Conforme tantas vezes prometi, parei de viver em função dos outros. Hoje sou meu próprio caminho. Não que esteja despreocupado do mundo, das pessoas, nada disso. Eu apenas estou mais apegado aos meus problemas e soluções e não tento mais carregar o mundo nas costas, pois aprendi que isso não é possível.

Citação: “Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor./ Nele não cabem nem as minhas dores.” (Carlos Drummond de Andrade).

Minha fé, outrora decorativa, tornou-se extremamente importante e funcional. Deus tem sido  muito legal. Tenho tido mais certezas e mais seguranças. Tenho sido mais firme e acreditado mais  nas esperanças. Tenho crido mais nas minhas capacidades intelectuais e tenho uma casa no campo, mas não sei compor rocks rurais. E tenho evitado, na medida das minhas possibilidades, qualquer ansiedade desproporcionada. 

Vez ou outra erro. Ora por imperfeição, ora por vaidade. Errar é humano, afinal. E, convenhamos, nem sempre é fácil acertar, mas sempre peço perdão pelos vacilos e tento corrigir os erros ou amenizá-los.

Bom, era suas irmãs que você esperava? Elas chegaram. Foi bom te ver. Uma coisa não mudei: ainda falo pra caramba. Até mais ver.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Labirintos




Especular sobre a vida alheia causa a impressão de pequenez. E de chatice. Aliás, o cidadão mais chato da literatura é o narrador observador. Como ousa especular sobre a vida alheia? Como ousa invadir privacidades? No entanto, que seria da literatura sem o observador? O narrador observador é como o vizinho fuxiqueiro, é o tipo que dá conta da vida de todo mundo e conta tudo nos mínimos detalhes, floreando as histórias. Ou estórias. Eis aqui mais um desses casos. Confesso, hesitei escrever sobre, mas o desamor sempre chama a atenção. Os amores são diferentes, as paixões, as histórias de amor, mas a forma de lidar com o sofrer é quase sempre a mesma.

Alberto não teve, por assim dizer, uma atitude Nelson Rodriguiana, dessas de sentar no meio fio e chorar lágrimas de esguicho. Tampouco chorou lágrimas de pedra, nem andou por aí a se desgrenhar. Era grande o amor, maior ainda foi o sofrer, mas pensou por bem evitar vexames, embora um de seus amigos costumasse berrar “ame e dê vexame!”.

Mas, pensando bem, tal amigo falava sobre amar, não sobre sofrer. Beber os mares e cair em pranto sobre paralelepípedos estava fora de questão. Acabou o amor. Vida que segue.

Pensava meios de não se apegar ao sofrer. Escrever um livro, plantar uma árvore, viajar, caminhar sem destino. Qualquer coisa que lhe impedisse de ficar preso demais aos pensamentos de tristeza, porque isso majora os problemas, faz com que se tornem maiores do que realmente deveriam ser. Qualquer coisa que não envolvesse músicas do Marcelo Geneci. Convenhamos, desamor e Geneci não é uma boa combinação.

Soube de um amigo que saiu sem rumo e caminhou uns dez quilômetros com “Quarto de dormir” no fone de ouvido. Achou isso ápice do sofrer. A síntese do sofrer extremo. Não era dado a extremos. Na pior das hipóteses caminharia pela sala cantarolando “Habeas Corpus”, do Maurício Baia.

Without you – Badfinger – que toca na casa vizinha, invade o silêncio. Invadiu a sala. Em oposição, ligou o rádio e passou a ouvir – à toda altura – “Paciência”, versão Fábio Jr. É isso. A vida não para e o cidadão não pode se internar na solidão ou na angústia ou coisas que o valham. A vida traz as dores, mas não se furta à graça de trazer a cura, trazer novos amores.

Murmurou, baixinho, de si pra si que todo fim infeliz não deixa de ser um sinal de incompetência. A incompetência leva a infelicidades imensuráveis. O desmedido amor vira desmedido sofrer. A desmesura de paixão – salve Djavan! – vira desmesura de amargura.

Precisava pensar meios para não sofrer demais. Precisava evitar a fadiga. Precisava parar com as frases feitas. Precisava evitar o hábito da insônia, antes que virasse coisa natural.

Naquela baixura do campeonato, uma quase doce terça feira de manhã, o que lhe restava, por todas de uma vez, era citar Belchior e implorar: “Vida, pisa devagar. Meu coração – cuidado! – é frágil”.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Bonita II (Sweet Surrender)




Um vento tímido balança a árvore vizinha, e ele, ainda mais tímido, controla-se para não balançar as pernas, enquanto se olham e riem. Pensa nas palavras, ensaia mentalmente, ela ri como se sabendo o que pretendia dizer. Ele trava o que pretendia dizer. Começa. Recomeça. Tre-recomeça. Ela ri. Ele poderia pedir mais água, um abraço, poderia elogiar o vestido florado, o sorriso, falar que ela está mais bonita, mais madura, apontar para a gatinha deitada na rua, ganhar tempo, mas nesse caso ganhar tempo seria perder e já perdeu tanto.
Ela ri. A ele faltam as palavras que lhe sobram quando escreve. Um estalo. Recomeça. Fala sobre aflições, medo de merecer, esquina do coração. Tropeça nas palavras, mas segue, fala, declara. Saiu um caminhão dos ombros. Faz-se alívio, coragem, coração por inteiro.
Seguiu-se a conversa. Se possível fosse quereria ver o próprio olhar, mas outro meio que não fosse espelho. Seria estranho olhar-se no espelho enquanto falava. Mas julgava que em seu olhar havia algo parecido com um brilho eterno de uma felicidade porvir. O vento mantinha-se tímido, ele nem tanto, mas ansioso. Timidez passou a ser coisa dela. Conversas, risos, mãos dadas.
O horário já não é mais cedo. Um até breve. Mais à vontade, a vontade é de não mais sair desse abraço, de não mais parar de sorrir o riso bobo, porque já faz alguns dias que onde havia pranto passou a existir sorriso. E onde havia a impregnação de personagens tristes e ambientação de “why does It always rain on me” passou a existir felicidade e bom pressentimento e um repeat de “amei te ver”, que Tiago Iorc fez pra eles.
Volta pra casa ouvindo e cantarolando Sweet Surrender (Bread) e aguarda ansioso pelo próximo passo desse novo caminho.
O amor sempre espera pelos abraços atrasados. Pensou. Não lembra onde ouviu ou leu, mas concorda plenamente.

P.S.: “O coração dispara, tropeça, quase para, me encaixo no teu cheiro e ali me deixo inteiro, eu amei te ver” (Tiago Iorc).

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Lux quae sera tamen






Café pra livrar-se do sono.
Fé pra livrar-se da dúvida.
Foco pra livrar-se da burrice.
Felicidade pra livrar-se das músicas de tristezas.
Conselhos pra livrar-se do que lhe aflige.
Oração pra livrar-se da angústia.
Amigos pra livrar-se da solidão.
Amor próprio pra livrar-se de sofrimentos futuros.
Livros pra livrar-se da falta de assunto.
Filmes pra livrar-se da falta de inspiração.
Músicas pra livrar-se da mente vazia.
Futebol pra livrar-se do tédio.
Let-s get It on – Marvin Gaye – pra livrar-se de 50 Receitas – Leoni.
Jacó pra livrar-se da desesperança.
Citação: “Os dias na esperança de um só dia”.
Simpatia pra livrar-se da timidez.
Rua pra livrar-se do silêncio.
Coragem pra livrar-se do Complexo de Girafales.
Luz pra livrar-se da escuridão.
Indiferença pra livrar-se dos chatos.
Novos sabores pra livrar-se do mais do mesmo.
(Tome nota: Pizza de chocolate).
Ternura pra livrar-se da amargura.
Desabafos pra livrar-se do sufoco.
Compreensão pra livrar-se de zangas.
Atenção pra livrar-se dos atrasos.
Abraços pra diminuir distâncias.
Reencontro pra amenizar a saudade.
Sorrisos pra afastar dissabores.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Na praça





Era apenas um rapaz em uma praça. Praça vazia. Era apenas um rapaz a esperar. Pernas inquietas, coração aos pulos. Tipo assim num baião. Talvez precisasse acalmar o coração.

Era apenas um rapaz em uma praça. E ele tinha mais de vinte mil perguntas. Por que tanta distância? Por que tantos dias? Por que quatros porquês? Por que o Dunga? Por que a distância? A história se repete por quê? Porque ele repete as histórias. As estórias.

Era apenas um rapaz em uma praça. Nas mãos um livro de Ricardo Kelmer. No fone de ouvido Emílio Santiago. Verdade Chinesa. Era apenas um rapaz em uma praça. Sentado. Acomodado. À vontade.

Era apenas um rapaz em uma praça pensando o que queria da vida. Um refrigerante pra suportar esse calor infernal enquanto ela não chega. Ônibus. Bicicletas. Pessoas com medo da rua. Da violência desenfreada. Espera. Começou fumaça. Tem sempre um aprendiz de Nero pondo fogo na cidade.

Era apenas um rapaz em uma praça. Com a intenção de um beijo doce na boca e ensaiando uma frase pra falar da saudade desmedida. Espera. Seu horário deveria ser mais cedo. Mulheres! Pensa que poderia fazer uma serenata. Os amigos ajudariam. Cantaria os olhinhos de noite serena.

Era apenas um rapaz em uma praça enquanto ela se aproximava vestindo um vestido florado. Óculos escuros. Ninguém mais bela. Era apenas um rapaz a esperar em uma tarde de outubro, sob um sol de rachar catedrais. Abana-se com o livro. Ela chegou.

- Quanto tempo!
- Pois é. Quanto tempo!


p.s.: “Ela vem e ninguém mais bela vem em minha direção” (Marisa Monte)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

longe




para ler ao som de tem que acontecer. sergio sampaio.

edwar castelo branco no lugar do cérebro. em pensamentos repete baixinho para si mesmo trechos do professor. “rebobinei. rebobeei. voltei à primeira pessoa”. caetano no fone de ouvido. tudo parece tão distante. a multidão mais parece solidão coletiva. um estádio lotado parece solidão coletiva.

alheio a tudo que o cerca pensa na incompetência que leva aos finais infelizes. todo fim infeliz não deixa de ser um sinal de incompetência. repete outro trecho do professor. pensa nos erros e acertos. pesa. não foi nada ruim. erros e remorsos não apagam, não desmentem tudo o que houve de bom. muito bom.

quinze mil vozes lamentam um gol perdido. duas um amor. tudo parece solidão coletiva. quinze mil vozes citam trecho do professor. “sigo pensando nos liames que ligam o mim ao ti. a possibilidade ao acontecer”. gilberto gil no fone de ouvido.

rua cheia. solidão coletiva. alceu valença no fone de ouvido. pensa. então lembra e cita outro trecho de outro texto do mesmo professor. “sim, porque, por hoje, os quatro cantos me parecem vazios e silenciosos”.

nas calçadas de casas as pessoas conversam. solidão coletiva. e pensa em tudo o que poderiam ser. pesa. mais vale o que foram. o que não aconteceu não desmancha as alegrias, os passeios, as madrugadas em que a teve pelas mãos. ficará o que houve de bom. erros e remorsos não pautarão esses dias que se iniciam. promete não beber os mares. não quer ser outra vez resto de porre e ressacas infindáveis. prometeu. cumprirá. depressão nunca mais. george harisson no fone de ouvido. all thing must pass.

all thing must pass. all thing must pass. all thing must pass. all thing must pass.

o sorriso. as piadas. os livros na estante. a inteligência. a filosofia. pensa o quanto ela o fez crescer. não existe uma culpa específica. não faltou amor ou dedicação. talvez um jeito de colocar as coisas em prática. a dedicação talvez tenha sido errada. ele precisa de cuidados. ela também.
sergio sampaio no fone de ouvido. tem que acontecer.

p.s.: seja feliz, seja feliz.









sexta-feira, 15 de maio de 2015

Michel



Toca o telefone e ele se mantém inerte, sentado na cama com um bilhete e uma fotografia antiga nas mãos, enquanto pensa em tudo que poderiam ser. E pensa nos equívocos e na falta de expectativas que ambos criaram.
Repete para si mesmo que Sandra está em todos os lugares, em todas as coisas, nos livros da estante. Está naquele livro do José Serra em que ele critica a disparidade entre os programas eleitorais e alerta para o uso excessivo de personagens, efeitos e para a falta de propostas efetivas. Ela faz a mesma crítica.
O telefone toca novamente, outra vez não faz menção de atender e tenta identificar se a canção que toca naquele momento, em um rádio na sala, é mesmo Chico César. “onde estará o meu amor?”, cantarola, pergunta, mal sabe o que está fazendo.
Ela está em tudo. Naquele CD do Chico Buarque, mais precisamente na canção “Sem você II”. Sem você é o fim do show. Pensa, cantarola, declama, reclama. Está no jogo de futebol, no sofrimento da torcida do Fluminense e pergunta-se como é que ela tem se saído nesses dias de crise no Tricolor. Imagina que ela tem xingado e sofrido sem medidas, com medo de que finalmente paguem a série B.
Outra vez o telefone. A música que toca no rádio da sala lhe faz olhar a fotografia que tem nas mãos. “E o que vai ficar na fotografia são os laços invisíveis que havia”.
Há tempos abandonou algumas diversões e bebedeiras. Quase tudo tornou-se detestável. Afastou-se de algumas pessoas, dedica-se pouco ao trabalho, trancou-se em casa. Lê. Assiste. Ouve muita música e tenta entender por que abriu mão de seu ideal de independência, de evitar criar laços. Tudo seria mais fácil se mantivesse o ideal do desapego.
Outra vez o telefone. Não atende, nem mesmo quer ver quem liga. Pergunta-se por ela. No rádio, Chico Cesar ajuda com as perguntas. “Será que vela como eu? Será que chama como eu? Será que pergunta por mim? Onde estará o meu amor?”.
Ela está em tudo, em todos os lugares. Está em “Quase Poesia”, de Orlando Ribeiro Gonçalves, no poema “inimitável”. 'Já não suporto o tempo que nos separa/ Isto é, os dias em que não te vejo/ Ou melhor, os dias em que estou cego/ Para qualquer beleza que não seja a tua/'.
E outra vez o telefone tocou até que a chamada fosse perdida. E lembrou das noites, do tempo em que estiveram juntos, pensou na entrega desmedida e vazia de precauções. Pensa, lembra, lamenta, sofre etc, fez disso algo natural.
Outra vez toca o telefone. Não atende. Toca novamente, mas para poucos segundos depois. Bateria descarregou, preferiu nem mesmo saber quem ligava. Talvez algum amigo pra dizer que ele precisa ter mais cuidados consigo, ir pra rua, parar de ouvir tanta música triste e largar mão de crônicas tristes. Afinal, como diz a canção que tocava naquele instante, “o que vale é o sentimento e amor que a gente tem no coração”.
Madrugada. Sandra desistiu dos telefonemas. Michel dormiu segurando a foto dos dois e o bilhete com um trecho de “o mundo aos meus pés”, de Marcelo Camelo.
P.S.: “Ao sentar e olhar pro chão, Michel notou que a solidão lhe consumiu” (Parafusa).

sábado, 15 de novembro de 2014

without you







a ponta do sol fere o horizonte. isso é um pedaço de hai-kai do ramsés ramos. creio que seja dele, não lembro bem. tenho andado triste demais pra lembrar-me de muitas coisas. triste. a ponta do sol fere o horizonte. seguindo a ordem natural, o anoitecer. anoitecer melancólico, diga-se. entre estes dois eventos, nada interessante. tem sido assim. triste.

minha vida mais parece uma ambientação de  "day after day". e pra não dizer que não falei das novidades, conheci badfinger recentemente. tenho ouvido constantemente. dia após dia. 'e todo dia o meu pensamento é sobre você'.

as tristezas que tenho sentido todos esses dias são indescritíveis. nunca mais ouvi flowers in the window porque lembro das flores que eu te dava e você expunha na janela do seu quarto. nunca mais comprei flores. o passado está contido no meu presente, nos meus ressentimentos, nas melancolias que me dominam às três da manhã e que me deixam absolutamente inconsolável. nem amigos, nem bebidas, nem estudos ou trabalho, nem vitórias do meu time - tão escassas - absolutamente nada me faz sair deste sofrer avassalador.

é incompreensível que tanto amor e amizade tenham agonizado e falecido dessa forma. e eu tenho vivido angustiado porque essa é a melhor saída. pelo menos por enquanto. ou o sujeito se angustia ou apodrece, conforme disse nelson rodrigues. então tenho sido assim. triste.

ah, como tem sido longa e contínua a minha luta contra a tristeza! e como tenho perdido vergonhosamente esta batalha. foi-se embora o otimismo avassalador de outra época, do tempo em que estávamos juntos ou de quando eu nem te conhecia e vivia tranquilamente, sem medos, pensando no grande amor que um dia eu viveria. e vivi. e quereria reviver, embora seja impossível. o sofrer é uma auto-tortura. a agonia que vivo chega a ser uma coisa delirante. triste.

os olhares de todos os meus amigos, sem exceção, apresentam uma certa ternura piedosa. lastimam o meu sofrer como lastimo o fim infeliz, que não deixa de ser um sinal de incompetência. as coisas seguirão tristes por mais alguns dias, sem qualquer rumor de alegria. constato isso porque nada, absolutamente nada, me faz pensar diferente. as músicas que ouço são tristes, os livros que leio idem, as estórias que invento são de uma tristeza abissal, os jogos do meu time são tristes e desesperadores. vivo cercado pela tristeza. o amor que trago guardado no peito me faz ser triste, sofrido, carente, mas não há uma única possibilidade de alegria, diferente da canção do benito.

eu mergulho no sofá, noto a solidão e ponho filme triste. eu vou pro quarto, noto a solidão e ouço alguma canção triste, daquelas que tomam conta de todo o ambiente. e ainda que esteja em companhia, é da mais gigantesca solidão o sentimento.

p.s.: "teus lábios, taças de amor que me embriagaram, se esgotaram, não vão mais me embriagar". (zé viola).