sábado, 28 de janeiro de 2012

Eu disse adeus





Você pode ficar com aquele livro do Ricardo Kelmer, mas eu fico com o cd do Chico que você me tomou e nunca ouviu. Rasgue as fotos que tiramos juntos e faça o que quiser com as cartas. Pode guardar. Eu não te procurarei mais. Não bata o portão. Tem gente lá fora e se fizer muito alarde saberão que saí de casa. Eles não precisam saber. Não agora.

Devo dizer que fui ao banheiro há pouco pra você não me ver chorar. Minhas dúvidas não têm justificativas e tuas dívidas devem ser pagas o mais rápido possível. Aceite uma ajuda dos seus pais para as prestações do carro. Aceite ajuda também pra pagar as contas do banco, pois seu nome pode parar no Serasa. Eu pago aquele boleto do Santander e, por favor, não se esqueça de pagar o extrato de tomate que peguei fiado no comércio da esquina.

Ajuda-me a fazer a mala. Não se esqueça de arrumar a sala e cuidado pra não cortar os pés com esses pratos que você quebrou. A cópia da chave está no criado mudo, não vou levar, pra não pensar em voltar.

Tenha sorte com o seu futuro amor. E que esse futuro amor apareça em breve e te faça feliz. Não tome nenhum calmante, beba aquele licor e não se esqueça depressa de mim. Não precisa devolver o colar. Fica com ele. Se quiser pode empenhar ou mande derreter. Não sei. Faça o que quiser.

Ponha a rede na mala. Vou levar. Dê-me uma dose de uísque. Sem gelo, por favor. É a saideira. Eu vou levar aquela garrafa de velho Walker. Aquele livro do Kenard é teu. Não conta pra ninguém o "segredo" da macarronada.

E não leve me a mal. Eu tô fazendo um esforço danado pra pegar leve com as palavras. Pra dar a impressão de que estou partindo pelo menos um pouquinho leve, embora isso pareça loucura. Mas é sincero.

Não fique muito distante dos seus amigos e parentes. Não deixe de ir naquela churrascaria às quintas feiras. Não perca muito tempo com televisão.

Nós fomos saindo assim um do outro de maneira muito triste. Não aproveitamos tudo o que podíamos, mas vamos deixar isso pra lá. Cê viu as chaves do carro? Por favor, pare de deixar suas chaves nos vasos das plantas. Tem muita gente ruim por aí, podem entrar em casa. Regue o seu jardim.

Não fique tanto tempo em silêncio. Não chore. Ou chore, não sei. Já não existe esperança de tudo se ajeitar. Eu acho. Por favor, desliga o rádio. A próxima música, segundo o carinha da rádio, é 'depois do fim', do Leoni, e essa música é de causar depressão. E eu não quero que me veja chorar. Obrigado!

Tá ficando tarde é hora de ir embora. Eu sei que o barulho da porta e do portão batendo atrás de mim vão me deixar triste. Devo dizer que não sei o que fazer depois de sair de casa. Só sei que devo recomeçar o mais rápido possível. E não chore, por favor, não quero cair em prantos na sua frente. Espero que algum dia você possa perdoar um idiota.

E por que é que um casal acaba?

PS: "Fique junto dos teus. Boa sorte! Adeus!" (Ivan Lins)

sábado, 21 de janeiro de 2012

Promessa eterna de uma mente bêbada e sem lembranças





Cheiro forte de cigarro, perfume barato e bem vagabundo impregnado em sua camisa e uma embriaguez que o deixava tonto. Mais um porre. Mais uma vez chegava a sua casa de madrugada. "tenho apenas 26, sou jovem demais e preciso ter muitas histórias pra contar", dizia para si mesmo. Ora dizia para a esposa. Ora para os amigos no bar.

Problema é que não teria muitas histórias pra contar, pois quase todas terminavam em "daí fiquei muito bêbado e não me lembro de nada mais". Sofria de amnésica alcoólica. O mesmo problema que o fazia esquecer-se da esposa e de sua casa. Aliás, muitos ficavam surpresos que sua esposa ainda aceitasse viver como se fosse uma das mulheres de Atenas, da música do Chico Buarque.

De quando em vez tentava entender as causas de sua perdição e os motivos para tantas farras. O simples motivo de estar com os amigos não era suficiente. Tinha sempre algo mais, algum remorso, uma carência, talvez sofresse do que se chama de solidão a dois.

Há tempos o casal não tentava se reinventar e quando deram por si estavam distantes um do outro. Ele começou a chegar tarde, tinha sempre marcas de batom, perfumes vagabundos na camisa e indícios de farras. E ela seguia indiferente, aparentemente aceitava tudo na maior calmaria.

Sozinha, chorava! Sozinho, ele tentava entender o que estava a fazer de sua vida. Ela chorava no quarto. Ele ficava a caminhar pela casa, com um copo de uísque na mão e ao som de Pink Floyd. Ficava de um lado para o outro. Várias vezes chegava à conclusão de que era hora de fazer as coisas direito, dar mais atenção á esposa e aumentar a família. Engraçado, ele sempre achou que seria um bom avô, costumava dizer que adotaria um neto.

Mais um porre e mais uma noite sem travessuras com a esposa. Pensamentos moralistas o consumiam, sabia que estava se tornando o canalha que os pais da esposa diziam que ele era. Rapaz trabalhador, não deixava faltar nada em casa, mantinha luxos da mulher. Antes, viajavam constantemente, mas as coisas mudaram. Ele mudou.

Jogou os sapatos pela casa e ficou a caminhar do escritório para a sala. Folheava um livro, em vão. Sob efeito de álcool, precisava ler e reler o texto umas dez vezes pra entender pelo menos um parágrafo. Era preciso fazer as coisas direito, não cair em farras, largar mão das amantes. Tentava formar algumas idéias, mas o álcool o impedia.

De um lado para o outro, lembrava das poucas vezes em que brigava com a esposa. Ela não provocava briga, parecia saber o quanto seria inútil. Ela chegou a pensar que depois de passar dos três meses de casamento seria fácil chegar à três décadas ou mais. Depois, começava a se dar conta de que o casamento era inútil e decepcionante. Como era inútil e decepcionante esperar que ele mudasse. Pra melhor, claro.

De qualquer modo, ela o amava. Nas alegrias e porres dele e nas suas tristezas, ela o amava. E ele pôs-se a pensar sobre. Pelo menos tentava formar algum pensamento. Sentou no sofá e continuou a pensar e pensar até que dormiu. Da escada, a esposa viu o marido dormindo no sofá e falou baixinho, para si mesma: "de pensar, dormiu um bêbado!".

Dia seguinte, ao acordar, não se lembrava de quase nada e mais uma vez o seu momento de reflexão foi inútil. Não lembrava, mas toda vez que chegava de porre, prometia que faria as coisas direito. E assim se tornava um eterno desajustado de uma mente bêbada e sem lembranças.

PS: “Meu bem, escuta, a vida é curta, eu vou sair só. Vou sem cuidado, sem agasalho, sem hora pra voltar.” (MopTop)

sábado, 14 de janeiro de 2012

Não foi por mal!





Nosso amor era um salto
No escuro.
Sem muitas expectativas
Falta d’água em enduro.
Um salto no fundo do poço,
Um amor sem esforço,
Sem rimas.
Desculpas pela paz que eu lhe roubei
Desce do salto.
Desce do trono, rainha.
Cuidado com o salto alto
Cuidado com o salto no fundo do poço.
Desculpas pela paz que lhe roubei.
Não foi por mal.
Amor é um precipício.
Precipitamos-nos.
Desculpas pelos exageros,
Não foi por mal.
Desculpas pelas horas perdidas,
Creio que foi por bem.
Desculpas pelas mentiras,
Foi por mal.
Digo, foi mal.
Nosso amor foi dúvida,
Estamos em dívidas.
Desculpas pelos ciúmes,
Foi por bem.
O futuro é incerto.
O coração é um deserto.
“Meu pobre coração não vale nada, anda perdido”
Como bem disse Torquato Neto.
O futuro é um inseto doido,
Batendo cabeça contra a parede.
Desculpas pelas metáforas
E pela falta de palavras e de jeito.
Não foi por mal.
Desculpas pelas overdoses de tropicalismo,
Não odeie Torquato,
E o Caetano é sim um chato,
Mas é um gênio.
Nosso amor foi salto.
Salto no escuro
E queda no fundo do poço.
Desculpas pela paz que lhe roubei,
Foi mal.
Desculpas pelas brigas,
Pelas piadas fora de hora.
Desculpas pelos clichês,
Não foi por mal.
Leia Torquato.
Leia um romance.
Não chore.
Não foi por mal.
Fui teu bem.
Fui teu mal.
Fui, meu bem.

PS: Ao som de ‘Habeas Corpus’, do Maurício Baia.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Qualquer coisa





É qualquer coisa que envolva ser recebido com aquele seu lindo sorriso de boas vindas. Sorriso largo e olhar de ternura. E promessa de que você será um livro. Um romance com final feliz ou contos com vários finais felizes. E talvez com um trecho de música do Lulu Santos no livro: 'imagine que no futuro as pessoas vão ler sobre nós e vão se admirar do jeito que a gente arrumou pra não deixar de se amar'.

É qualquer coisa que envolva sair pela noite, tentar equilíbrio no meio fio, caminhar pelas avenidas e quando virmos alguns chatos, eu cantarei 'nothing else matters', do Metallica, em pensamento, enquanto você conversa com alguns deles.

É qualquer coisa assim. É uma expectativa dessas. Mãos dadas, cinema, piadas bobas, sorrisos bobos, troca de confianças e uma discussão acalorada sobre o campeonato brasileiro de 2005. Roubadíssimo.

É qualquer coisa que envolva sorrir feito rei momo em carnaval. Felicidade é sorriso aberto, segundo Deusdeth Nunes, um dos seis botafoguenses de Teresina. É qualquer coisa assim que depois leva a falar das manias, dos medos bobos, da facilidade de chorar por futebol. É qualquer coisa assim. Envolve falar que chorei cinco mil vezes por causa da aposentadoria do Marcos. É qualquer coisa assim.

É qualquer coisa que envolva você não rir de mim por eu ser um pouquinho acanhado. E a gente cantarola ‘temporada das flores’, do Leoni, enquanto imagina fins de semana em um sítio, onde farei alguns textos rurais. E o relógio trabalharia mais devagar pra passarmos mais tempo juntos.

Qualquer coisa que envolva falar da tristeza de dizer boa noite a quem não queremos deixar. É qualquer coisa que envolva beijos de boa noite, telefonema de madrugada e sms pra dizer te amo.

Qualquer coisa que envolva sorrisos, novos amigos, livros, flores e um cartão com uma letra horrível e que te faça perder a fala. Qualquer coisa que envolva cantarolar ‘Junto’, da Validuaté, e rir. E todo o seu bando saberia o quanto estou a fim de você.

É qualquer coisa que envolva intimidade e cumplicidade.

PS: “E quero que você me leve do seu jeito e do seu modo, não quero você carregue nenhum peso pelo medo de gostar às vezes de um clichê.” (Maglore)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Marcos, o Santo Palmeirista





Atormenta-me qualquer “previsão” do que possa ser o Palmeiras esse ano, mas nesse exato momento pouco importa.  Quero muito que o ano de 2012 seja bom para o Palmeiras.

Começou triste com a aposentadoria do goleiro Marcos, o São Marcos, o Marcão. Eu tô com a voz um pouco ruim e com o nariz congestionado e talvez com os olhos vermelhos.

É que eu tenho ensaiado umas lágrimas a cada texto que eu leio sobre o Marcos, goleiro do Palmeiras, umas lágrimas a cada vídeo dele, essas coisas. Até pintou uma dor de cabeça. Sou muito apaixonado pelo Palmeiras e o Marcos é um grande ídolo.

A aposentadoria já era esperada, mas a gente fica triste. Mas também fica feliz por tudo o que ele fez, a gente vive uma experiência meio Chapliniana, sabe? A gente fica entre o riso e a lágrima. Daqui a dois meses, quando ele fizer o último jogo, quero assistir sozinho ou com um bando de Palmeiristas. E pouco importa o quanto os Palmeiristas ou demais fãs e devotos do São Marcos possamos chorar.

O Marcos é mesmo muito foda (sem perdão da palavra!). Tem que ser muito foda pra se manter ídolo de uma geração de Palmeiristas que não ganhou quase nada em dez anos. Isso não é pra qualquer um.

Cá estou à flor da pele! Tão à flor da pele que qualquer texto sobre o Marcos me faz pensar em chorar. Faço parte dessa geração que está há dez anos sem ganhar quase nada. Mas também, graças a Deus, faço parte da geração que viu o Palmeiras ganhar Libertadores, Mercosul, copa do Brasil e estaduais e Rio São Paulo. E tudo isso com o Marcos jogando pelo Palmeiras.

Quando eu crescer, vou dizer pros meus filhos e netos: “Eu vi o Marcos jogar. Eu vi o Marcos ser campeão da taça Libertadores da América pelo Palmeiras. Eu vi o Marcos ser campeão mundial e saibam: Ele era acima da média, um caráter acima da média, um coração acima da média, um Palmeirista acima da média, um goleiro acima da média. Ele era gênio!”

PS: "Ser campeão da Libertadores é bom demais. A primeira da história do Palmeiras. Esse clube é sofrido demais. Falam do Corinthians, mas aqui a gente sofre demais. A nossa torcida é muito exigente, carente, sei lá. Chega a ser apaixonada demais. Aqui é céu ou inferno. No inferno é um terror. Mas no céu é mesmo o paraíso. Não me lembro de estar tão feliz no futebol" (Marcos após conquistar a Libertadores da América pelo Palmeiras)