Meio
dia. Um calor de rachar catedrais. Ela chega, senta num banquinho na
Frei e põe-se a falar sobre silêncio e culpa e uma vontade oceânica
de voltar pra casa e dormir. Às vezes fica meio perdida, olhando sem
olhar. Noutros momentos cita trechos de canções, cantarola algumas,
reclama da economia e dos caras que xingaram Chico Buarque.
Ela
insiste em falar, embora incomodada com a indiferença, pois gostaria
de ouvir pelo menos um “entendo”. Mas não ouve, nenhuma letra
lhe é dirigida, como se o que dissesse não fizesse qualquer
sentido.
Ainda
assim continua falando. Reclama do ex-namorado, fala que o encontrou
recentemente e tudo pareceu uma ambientação de “the winners take
all”, porque ele foi apenas lhe cumprimentar e ela quis chorar
lágrimas de esguicho, mas preferiu não contar sobre sua triste
vida. Estava tensa. Fala que está morrendo de fome.
Segue
o desabafo. Seu chefe não valoriza seu trabalho, o professor não
reconhece seu esforço e ela pensa em largar o mestrado. Reclama do
cansaço.
Do
outro lado da avenida as pessoas olham pra ela, que se pergunta se
não seria melhor contar suas histórias pra elas, pois a pessoa ao
lado não dá atenção. Ela, na verdade, mal olhou pra quem estava
no banquinho, apenas se danou a falar. Reclama de dor de cabeça.
Seu
assunto passa a ser o prefeito. Xinga. Vai aumentar o preço da
passagem, fosse pelo menos um ônibus que prestasse, mas uns troços
que fazem um barulho horrível, parece um barulho de metrô. Sem
contar que ele mandou fechar quase todos os retornos da cidade.
Espera que façam manifestações, mas torce para que não façam
pichações na estátua do vigia de metrô, o Petrônio Portela.
Ela
já não suporta a indiferença, se sente mais ignorada que alface no
prato do Ed Mota, que velho em um asilo, que um pedinte no bar Ponto
Chico, então opta por uma piada.
“Era
uma vez cem anões em um deserto. Eles encontraram uma lâmpada, eis
que aparece um gênio. Ele diz: cada um tem direito a um pedido. O
primeiro diz 'eu quero ter um metro e noventa'. O segundo pede o
mesmo, o terceiro, o quarto, o nonagésimo nono. Aí chega a vez do
último e ele fala 'que todos voltem a ser anões'.” Ela dá uma
gostosa risada, mas do seu lado nenhum sorriso esboçado. Estranho, é
meio triste, mas todos riem dessa estória.
Eis
que ela olha pro lado e toma um susto. Não percebeu – solidão
versus distração – mas durante 56 minutos conversou com um dos
bonequinhos do presépio que os funcionários da prefeitura
esqueceram naquele banquinho no canteiro da Frei.
Ela
olha pros lados, tenta disfarçar e fala de si pra si “a solidão
me consumiu”.
P.S.:
“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo
pede um pouco mais de alma, a vida não para.” (Lenine)
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