Cheiro
forte de cigarro, perfume barato e bem vagabundo impregnado em sua camisa e uma
embriaguez que o deixava tonto. Mais um porre. Mais uma vez chegava a sua casa
de madrugada. "tenho apenas 26, sou jovem demais e preciso ter muitas
histórias pra contar", dizia para si mesmo. Ora dizia para a esposa. Ora
para os amigos no bar.
Problema
é que não teria muitas histórias pra contar, pois quase todas terminavam em
"daí fiquei muito bêbado e não me lembro de nada mais". Sofria de
amnésica alcoólica. O mesmo problema que o fazia esquecer-se da esposa e de sua
casa. Aliás, muitos ficavam surpresos que sua esposa ainda aceitasse viver como
se fosse uma das mulheres de Atenas, da música do Chico Buarque.
De
quando em vez tentava entender as causas de sua perdição e os motivos para
tantas farras. O simples motivo de estar com os amigos não era suficiente. Tinha sempre algo mais, algum remorso, uma carência, talvez
sofresse do que se chama de solidão a dois.
Há
tempos o casal não tentava se reinventar e quando deram por si estavam
distantes um do outro. Ele começou a chegar tarde, tinha sempre marcas de
batom, perfumes vagabundos na camisa e indícios de farras. E ela seguia
indiferente, aparentemente aceitava tudo na maior calmaria.
Sozinha,
chorava! Sozinho, ele tentava entender o que estava a fazer de sua vida. Ela
chorava no quarto. Ele ficava a caminhar pela casa, com um copo de uísque na
mão e ao som de Pink Floyd. Ficava de um lado para o outro. Várias vezes
chegava à conclusão de que era hora de fazer as coisas direito, dar mais
atenção á esposa e aumentar a família. Engraçado, ele sempre achou que seria um
bom avô, costumava dizer que adotaria um neto.
Mais
um porre e mais uma noite sem travessuras com a esposa. Pensamentos moralistas
o consumiam, sabia que estava se tornando o canalha que os pais da esposa
diziam que ele era. Rapaz trabalhador, não deixava faltar nada em casa,
mantinha luxos da mulher. Antes, viajavam constantemente, mas as coisas
mudaram. Ele mudou.
Jogou
os sapatos pela casa e ficou a caminhar do escritório para a sala. Folheava
um livro, em vão. Sob efeito de álcool, precisava ler e reler o texto umas dez
vezes pra entender pelo menos um parágrafo. Era preciso fazer as coisas
direito, não cair em farras, largar mão das amantes. Tentava formar algumas
idéias, mas o álcool o impedia.
De
um lado para o outro, lembrava das poucas vezes em que brigava com a esposa.
Ela não provocava briga, parecia saber o quanto seria inútil. Ela chegou a
pensar que depois de passar dos três meses de casamento seria fácil chegar à
três décadas ou mais. Depois, começava a se dar conta de que o casamento era
inútil e decepcionante. Como era inútil e decepcionante esperar que ele
mudasse. Pra melhor, claro.
De
qualquer modo, ela o amava. Nas alegrias e porres dele e nas suas tristezas,
ela o amava. E ele pôs-se a pensar sobre. Pelo menos tentava formar algum
pensamento. Sentou no sofá e continuou a pensar e pensar até que dormiu. Da
escada, a esposa viu o marido dormindo no sofá e falou baixinho, para si mesma:
"de pensar, dormiu um bêbado!".
Dia
seguinte, ao acordar, não se lembrava de quase nada e mais uma vez o seu
momento de reflexão foi inútil. Não lembrava, mas toda vez que chegava de
porre, prometia que faria as coisas direito. E assim se tornava um eterno desajustado
de uma mente bêbada e sem lembranças.
PS:
“Meu bem, escuta, a vida é curta, eu vou sair só. Vou sem cuidado, sem
agasalho, sem hora pra voltar.” (MopTop)
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