Especular
sobre a vida alheia causa a impressão de pequenez. E de chatice.
Aliás, o cidadão mais chato da literatura é o narrador observador.
Como ousa especular sobre a vida alheia? Como ousa invadir
privacidades? No entanto, que seria da literatura sem o observador? O
narrador observador é como o vizinho fuxiqueiro, é o tipo que dá
conta da vida de todo mundo e conta tudo nos mínimos detalhes,
floreando as histórias. Ou estórias. Eis aqui mais um desses casos.
Confesso, hesitei escrever sobre, mas o desamor sempre chama a
atenção. Os amores são diferentes, as paixões, as histórias de
amor, mas a forma de lidar com o sofrer é quase sempre a mesma.
Alberto
não teve, por assim dizer, uma atitude Nelson Rodriguiana, dessas de
sentar no meio fio e chorar lágrimas de esguicho. Tampouco chorou
lágrimas de pedra, nem andou por aí a se desgrenhar. Era grande o
amor, maior ainda foi o sofrer, mas pensou por bem evitar vexames,
embora um de seus amigos costumasse berrar “ame e dê vexame!”.
Mas,
pensando bem, tal amigo falava sobre amar, não sobre sofrer. Beber
os mares e cair em pranto sobre paralelepípedos estava fora de
questão. Acabou o amor. Vida que segue.
Pensava
meios de não se apegar ao sofrer. Escrever um livro, plantar uma
árvore, viajar, caminhar sem destino. Qualquer coisa que lhe impedisse de ficar preso demais aos
pensamentos de tristeza, porque isso majora os problemas, faz com que
se tornem maiores do que realmente deveriam ser. Qualquer coisa que
não envolvesse músicas do Marcelo Geneci. Convenhamos, desamor e
Geneci não é uma boa combinação.
Soube
de um amigo que saiu sem rumo e caminhou uns dez quilômetros com
“Quarto de dormir” no fone de ouvido. Achou isso ápice do
sofrer. A síntese do sofrer extremo. Não era dado a extremos. Na
pior das hipóteses caminharia pela sala cantarolando “Habeas
Corpus”, do Maurício Baia.
Without
you – Badfinger – que toca na casa vizinha, invade o silêncio.
Invadiu a sala. Em oposição, ligou o rádio e passou a ouvir – à
toda altura – “Paciência”, versão Fábio Jr. É isso. A vida
não para e o cidadão não pode se internar na solidão ou na
angústia ou coisas que o valham. A vida traz as dores, mas não se
furta à graça de trazer a cura, trazer novos amores.
Murmurou,
baixinho, de si pra si que todo fim infeliz não deixa de ser um
sinal de incompetência. A incompetência leva a infelicidades
imensuráveis. O desmedido amor vira desmedido sofrer. A desmesura de
paixão – salve Djavan! – vira desmesura de amargura.
Precisava
pensar meios para não sofrer demais. Precisava evitar a fadiga.
Precisava parar com as frases feitas. Precisava evitar o hábito da
insônia, antes que virasse coisa natural.
Naquela
baixura do campeonato, uma quase doce terça feira de manhã, o que
lhe restava, por todas de uma vez, era citar Belchior e implorar:
“Vida, pisa devagar. Meu coração – cuidado! – é frágil”.